quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Todo carnaval tem seu fim


O fato de, no período momesco, tudo parar, me impressiona. A grande maioria dos brasileiros finge esquecer os problemas e se entrega literalmente à folia. Até os telejornais desviam o foco das notícias, evitando veicular reportagens bombásticas, como se esse tipo de acontecimento também entrasse em recesso. Hoje pela manhã, o carnaval 2010 viveu seus momentos agonizantes. Foi o último dia do carnaval da Bahia, momento em que o carro pipa dá um banho de água fria na massa como quem quer dizer: “acordem o carnaval acabou!”. E mesmo que muitos prefiram não retornar à realidade, os trios param de tocar e os confetes e serpentinas deixam de ser lançados, para que o bloco dos garis entre em ação e retire o grude e o lixo da avenida, resultantes da extrema falta de educação e civilidade, deixados para trás pelos eufóricos foliões. Nesses sete carnavais que já passei como Policial Militar, pude trabalhar nos carnavais das cidades de Salvador, Ilhéus, Canavieiras e agora, por último na cidade de Itacaré, onde de forma não insólita, presenciei cenas bizarras de pessoas que, nestes cinco dias de festa, perdem completamente o senso do ridículo e do aceitável, ao estacionarem seus carros sobre as calçadas, dificultando a locomoção dos pedestres ou obstruindo as rampas, impedindo a acessibilidade de cadeirantes; ao ligarem seus sons de carros em níveis de decibéis altíssimos, iniciando assim disputas incoerentes e intermináveis para ver qual dono de som conseguia o mais alto volume, bem como arrebatar mais gente pra beber e dançar ao redor do seu carro; ao beberem até se embriagarem para depois caírem trêbados como indigentes ou assumirem uma direção veicular, pondo a própria vida e a de terceiros em risco; ao exibirem gratuitamente manifestações de intolerância e violência, desferindo socos a esmo, à toa, à sorte. Indistintamente; ao protagonizarem as coreografias despudoradas e absurdas de algumas músicas baianas e/ou ao repetirem seus respectivos refrões. É desprezível de se ver. É como se nesses cinco dias a vulgaridade e a indecência reprimidas durante o ano fossem finalmente permitidas. Não têm respeito as moças, não têm respeito os rapazes... É uma patifaria só. E, apesar de haver banheiros químicos espalhados por todo o circuito da festa, é preciso andar de olhos fechados para que não nos deparemos com aqueles seres humanos (que denominarei aqui como “primitivos”, em seu significado mais léxico), que insistem em urinar em postes, muros, carros, atrás das barracas, feito cachorros, como se atentado ao pudor fosse a coisa mais natural do mundo, além de ser uma extrema falta de educação doméstica. E o pior, é que esse mau hábito, além de inconveniente, é cultural. Por exemplo, quando uma criança está na rua com a mãe e sente vontade de fazer xixi, essa mãe, muito dificilmente, solicitará que algum estabelecimento ceda o banheiro para seu filho. Pelo contrário, é mais comum vermos o menininho pondo a “torneirinha” pra fora para “regar” alguma árvore. Atitudes como essa, apesar de inadmissíveis em outros países, já estão tão arraigadas em nossa cultura machista, que são até consideradas normais por muitos brasileiros. Por isso é tão comum, em festas ou até no dia-a-dia, vermos homenzarrões urinando em qualquer lugar. E pior, sem que ninguém mais se importe, ou, sequer perceba a estranheza do ato, pois convencionou-se que homem pode urinar sim em qualquer lugar, até por questões óbvias da própria anatomia masculina. É mais fácil para o homem e para ele, nada ficará feio. Que intrínseca e falsa verdade. Bom, agora voltando ao tópico das coreografias despudoradas, neste ano o Oscar de pior canção vai para aquela letrinha de música ordinária que sequer sei o nome, mas que por horas a fio quase me levou à loucura, quando martelava em meus ouvidos o refrão: “Me dá, me dá patinha, me dá...” Enquanto trabalhava, eu me perguntava o que eu estava fazendo ali. Desconheço completamente qual seja a banda que lançou essa música, e também não me dei ao trabalho de descobrir, buscando no Google o nome do compositor. Primeiro, porque é irrelevante promover esse tipo de cultura inútil e vazia. Segundo, porque no ano que vem, essa banda já não mais existirá. Esse tipo de sucesso é descartável, indo embora tão rapidamente como chega, vindo, no carnaval seguinte, outro igualmente idiota em seu lugar. Sempre haverá uma nova banda de pagode gravando qualquer outra imundice. Tudo bem! Eu já sei o que você leitor(a) está pensando. E eu também concordo com você. Eu sei que quem vai para o carnaval não quer meditar, tampouco refletir sobre o que diz o refrão que se repete infinitamente, mas sim extravasar, liberar e colocar tudo pro ar, como diria a Cláudia Leite em uma de suas canções. Sei também que nesses cinco dias de festa o brasileiro fica menos seletivo e passa a exigir apenas som e ritmo. As músicas não precisam, necessariamente, possuir uma letra que emocione ou que ative o intelecto, afinal é carnaval. E o carnaval dura apenas cinco dias, é só uma vez no ano... blá, blá, blá... Mas vamos combinar uma coisa? Um grama de decência e respeito ao ouvido do próximo não faz mal pra ninguém, não é mesmo? E o pior é que quanto mais lasciva e desrespeitosa a letra for, maior será a sua aceitação, sobretudo pelo público feminino. A música que, pra mim, no Carnaval 2010, merece o Oscar do que existe de mais execrável diz o seguinte: “Ela, ela, ela é uma cadela...” Logo em seguida, o cantor, de cima do trio, pede a patinha, e as meninas embaixo levantam a perninha. É simplesmente horrendo. Depois a letra segue dizendo que a fulana transou de quatro, outra fez frango assado, outra transou sem camisinha e pegou uma coceirinha. Meu Deus! É nojento, é inacreditável. As mulheres não cobram respeito nem se valorizam mais. Nem a Madonna sadomasoquista da década de 90, quando incorporava a Dita e usava unhas pintadas de preto, chicotes e dente de ouro, era capaz de descer tanto. Tenho certeza que, ao ouvir essa música, a Rainha do Pop, que colecionava escândalos, ficaria corada. A verdade é que depois de ouvir e presenciar a tanta baixaria neste carnaval, eu cheguei às seguintes conclusões: De que o exótico e o ridículo não têm limites e que o pior ainda está por vir.


2 comentários:

  1. muito bem redigido, é realmente lamentável o ponto no qual a cultura de muitos brasileiros chegou

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  2. Bom aqui em minha cidade somos bombardeados diariamente por um estilo(se assim posso chamar, para q n ofenda ninguém) de música funk, meu Deus se as pessas soubessem o que é o funk na sua origem...estava assistindo uma reportagem onde o cantor Jair Oliveira foi questionado, pq seus cds vendiam menos q o do MC Crew, ele simplesmente se calou, é o q temos que fazer, infelizmente!!
    É adorei esta postagem e concordo em genêro e grau.

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